Ser uma mulher engenheira, por enquanto, ainda é ser minoria. Segundo dados do Confea, em 2018 mulheres correspondiam a apenas 14% dos registros de engenharia. Para muitas, isso significa enfrentar obstáculos como o machismo e o preconceito para entrar no mercado de trabalho e, principalmente, se consagrar enquanto líder.
No caso da engenheira civil Thais Trovato, o contato com o machismo começou desde cedo. A única mulher engenheira da família, Thais passou a vida ouvindo frases machistas e desencorajadoras.
“Meu pai sempre falou pra mim que eu era a última a falar e a primeira a apanhar. No decorrer da minha trajetória, tive bastante dificuldade porque meu pai não acreditava que fosse possível eu ser engenheira. Existia uma projeção sobre meu irmão e eu era desacreditada. Cheguei a ouvir ‘você nunca vai conseguir ser engenheira, para ser, teria que ser a melhor aluna da classe e você não é’”, relata.
Quando chegou a hora de buscar um lugar no mercado, novamente teve que lidar com os obstáculos colocados pelo machismo. Recebeu inúmeras negativas de emprego ao ponto de questionar os recrutadores.
“Cheguei em um processo e falei: ‘então você avisa para o seu gestor para mandar uma carta para o MEC (Ministério da Educação) dizendo que não pode admitir mulheres no vestibular de Engenharia, porque quando a gente se formar não vamos conseguir emprego’. Ouvia que mulher não aguenta a pressão, o ‘tranco’, mas isso só me dava mais gás. Eu sabia o que eu queria”, conta.
Demorou mais de um ano para ser contratada. Período durante o qual o pai tentou convencê-la a casar e trabalhar com construção de casas. “Mas eu tive contato com a engenharia industrial e me apaixonei”, pontua.
Durante a carreira, viveu outras abordagens machistas. Como um gerente que só a chamava de “menininha”, mesmo aos 37 anos e um outro que lamentou sua saída por ser “muito bonita”.
“O fato da minha criação ter sido machista desenvolveu um instinto de sobrevivência e de lutar por aquilo que eu quero. Eu sou uma sobrevivente dentro do processo porque eu me senti desafiada. Eu entendi que o desafio me motiva, me move”, assinala.
A história de Thais e seu pai, no entanto, tem um final feliz. Com o tempo e com suas conquistas, ela pôde ver uma transformação no pai que, principalmente após se tornar avô, passou a ser mais flexível e admitiu o orgulho que tem da filha. A mudança do pai e a convivência com colegas que pensam diferente fazem dela uma otimista com o cenário atual.
“Me deixa feliz ver colegas incomodados com situações machistas porque dá esperança de que a transformação está acontecendo. Trabalhamos com uma equipe mais nova e todos eles têm plena noção do lugar de cada um sendo homem ou mulher. Sempre fui respeitada, bem tratada, um reflexo disso é minha promoção. Sinal que os olhares estão com um véu bem mais fino. Ainda assim, acho que o fato de que nunca fiquei desempregada tem a ver com não ser mãe e ter casado há poucos meses. É muito difícil, como mulher, conseguir o que um homem consegue de pegar esposa e filhos e mudar de estado, esperando que a família se adapte, por causa da nossa carreira”, finaliza.
Capacitação x Subestimação
Também engenheira civil e gestora de um contrato Timenow, Lizângela Cardoso começou aos 16 anos como técnica em edificações e, depois, formou-se engenheira.
Durante um tempo quis ser veterinária porque gostava de animais, mas descobriu uma paixão mais profunda por projetos enquanto folheava um jornal do pai com prédios e edifícios “diferentões”. “Eu amava. Sempre gostei da ideia de tirar o projeto do papel e transformar aquilo em realidade. Quando vi isso, bateu um casamento. Eu pensei ‘é isso que quero fazer’”, relata.
O que a Liz, ainda criança, talvez não soubesse é dos desafios que encontraria pelo caminho. A engenheira relata que sofreu muito preconceito durante a carreira e sempre que foi contratada, foi por ter sido observada no campo, nunca por processo seletivo tradicional.
“Eu tinha que ser muito melhor que um homem para estar numa atividade que um homem fazia. Eu sempre tive que fazer mais, dominar mais a parte de legislação, sempre fui subestimada no sentido de ‘não dar conta’ ou de não conseguir atuar em um espaço com homens. Sempre tive que provar o tempo todo que eu conseguia”, conta.
Atualmente gestora do contrato com O Boticário, Liz aprendeu a ser “firme” para lidar com os assédios. “A mulher tem que ser firme, objetiva e direta. Rebater os assédios no primeiro momento. Eu tenho uma ‘cara’ para o meu trabalho e uma ‘cara’ para uma pizzaria no final de semana. Não dá para ser muito aberta, as pessoas entendem isso como um ponto de fragilidade”, lamenta.
Apesar de tudo, a gestora encoraja quem quer se desenvolver nessa carreira. “Se eu consegui, você consegue. O caminho é sinuoso, mas não dá para perder o foco. A capacitação dá um tapa de luva em qualquer situação de subestimação”, completa.